sexta-feira, 14 de maio de 2010

36 anos de Abril!


Como estamos hoje portugueses, 36 anos depois da Revolução de Abril? Resposta difícil a uma pergunta de contornos mal definidos. A vastidão globalizante que enforma uma pergunta deste tipo só pode ter como resultado uma igual resposta vaga. Mas vale a pena dizer qualquer coisinha sobre o assunto. O Portugal pobre e honrado de Salazar está em vias de extinção. O país rural, pobre e analfabeto mudou totalmente a sua faceta. As habitações dos portugueses na sua maioria já não têm ratoeiras e ratos. Já não há retretes nas cozinhas. Os pés descalços, andam agora, mais ou menos, confortavelmente calçados. Já não se vai à boleia para a praia. Raramente se cospe para o chão e os dentes dos portugueses sofreram uma considerável melhoria. O desmancho passou a interrupção voluntária da gravidez e a pouca criançada que hoje vem ao mundo tem quase cem por cento garantida a sua sobrevivência. Somos hoje mais altos e temos melhor saúde. A minha avô já não diz que vem aí a PIDE para me conseguir meter em casa e os turistas já não olham para nós como europeus de terceira categoria. Os livros da Gina já não fazem sensação e a censura oficial já não tem cartas de alforria. Já não há partido único e vão diminuindo os "chefes" de família. Elas já não precisam de autorização para casar e os isqueiros já não precisam de licença. Um romântico beijo de namorados no Jardim dos Namorados já não dá visita ao posto e as reguadas da minha professora primária seriam hoje uma violência. Acabou-se a autoridade que não se discute e as crianças ganharam direito a existir. A passagem pela guerra de África ou pelo exilío no estrangeiro ficou para os armazéns da memória e a emigração a salto para França já faz parte da história. Aprende-se mais e melhor e a ignorância em massa foi à vida. TV Cabo, Vodafone, computador, wirless, i-pad, youtube, magalhães e internet são o pão nosso de cada dia. Quase toda a gente tem televisão, carro, telemóvel, frigorifico, torradeira e máquina de lavar. Muitos têm casa própria e poucos dispensam o centro comercial. Vive-se mais tempo e com maior qualidade de vida. Viaja-se mais e mais barato. Sentimo-nos mais europeus. Temos o sentimento de fazer parte do globo. Abril abriu-nos a porta ao mundo. Abril foi um dia feliz. Mas a pobreza não se foi embora de todo. As desigualdades ainda escandalizam. A corrupção grassa no aparelho de Estado e nas autarquias. Os partidos políticos perderam o crédito. A economia arrasta-se. O aparelho produtivo tem dificuldades na sua reconversão. A imigração explodiu mas a emigração ainda é maciça. A cidadania apesar de crescer, é ainda diminuta. O desemprego e o precariado instalaram-se na estrutura societal. A incerteza coartou a capacidade de fazer futuro e o medo traz consigo a insegurança. Instala-se o descrédito e hipoteca-se a esperança e a "globalização" e os "mercados" ameaçam com a bancarrota. Novos tempos com novos graves problemas. Não precisamos de um novo Abril. Precisamos de mais Abril. Democratizar a democracia. Diminuir as desigualdades. Reduzir a pobreza. Tornar justo o sistema de justiça. Igualizar as oportunidade sociais. São as utopias realistas que fazem o mundo andar para a frente. Portugal precisa urgentemente de utopias realistas. E de políticos capazes de as estimular.


João Martins in o macloule - enviado por Sérgio Ribeiro

4 comentários:

  1. Tendo vivido parte da minha juventude sufocada pelo regime ditatorial que "manchou", durante quase meio século, o nosso país, respondo à questão colocada por João Martins com uma afirmação a que imprimo o máximo de assertividade: FASCISMO NUNCA MAIS!
    E se concordo com a enumeração que faz das "mais-valias" sociais e políticas que a Revolução de Abril trouxe para os portugueses, posto-me completamente ao seu lado quando se questiona sobre o rumo que as sucessivas governâncias alternantes do PS/PSD/CDS(sozinhos ou em coligação) têm dado às janelas que Abril abriu. Não tenhamos ilusões. Agora uns, agora outros, estes governos nada mais têm feito que trair o espírito da Revolução, dando machadadas irreversíveis nas conquistas dos trabalhadores.
    Pretendendo passar a mensagem de que estão em pólos ideologicamente opostos, O PS e o PSD, esbatendo cada vez mais as diferenças, fazem pactos nos bastidores e governam para a defesa dos grandes interesses económicos, atacando, escandalosamente, os mais desfavorecidos. E quanto a isto não tenho dúvidas... estes dois governos de Sócrates enformam o ataque mais ignóbil às parcas regalias dos trabalhadores que ainda restavam.
    E aqui, não tenho bem a certeza se Abril já se foi embora ou não!... E se ainda não foi, temos de redobrar a nossa atenção, o nosso empenho e a nossa vontade para impedir que uma nova "noite negra" feche as portas do grandioso espírito de Abril. Lembremos os casos de corrupção em que estão envolvidos(mesmo que não provados) elementos responsáveis do poder. Lembremos a aprovação por todos os partidos da direita(onde incluo o actual PS)do novo pacote laboral. Lembremos os sucessivos aumentos de impostos, escandalosa e oportunistamente feitos no dia 13 de Maio(perderam completamente a vergonha estes "mandantes" do PS e do PSD). Lembremos, por último, o grave atentado à liberdade de imprensa, levado a cabo pelo deputado do PS Ricardo Ribeiro, que, completamente "desatinado", interrompe a entrevista à revista Sábado, roubando os gravadores dos jornalistas. Isto é crime… Não pode ficar impune… Os gravadores dos jornalistas contêm matéria referente a outros casos que são ou podem ser confidenciais. Mas não julga assim o sr. deputado. A maioria absoluta da anterior legislatura criou vícios difíceis de largar e assistimos a um desfile de casos que não nos podem deixar indiferentes e tranquilos no que respeita ao deficit democrático e à necessidade de "REABRIR AS PORTAS DE ABRIL".
    Os partidos da Esquerda, a sociedade civil,o povo têm um papel fundamental na criação das tais utopias realistas que, enquanto sonho comandam o mundo. Assim rezam o grande poeta português, anti-fascista, António Gedeão, e o escritor/filósofo humanista Tomas Morus de quem estes "novos políticos de cueiros", com certeza, nunca ouviram falar.
    ABRIR VENCERÁ

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  2. Cabe à esquerda, não esta postiça que nos governa, mas a que cultiva os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, "reabrir as portas de Abril".

    Acrecentei o LEMMA ao Macloulé. Só agora consegui fazê-lo. A vida está dura para quem trabalha...

    Um grande abraço
    João Martins

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  3. Obrigada, João Martins.
    Fico feliz por considerares que o "Lemma" continua a ser um espaço de informação e de debate de ideias. Não com a regularidade que o autor do blog(meu pai, informo com muito orgulho)conseguia manter, nós todos(filhos, amigos,camaradas, consultores anónimos) tentaremos mantê-lo vivo e com a dignidade que ele lhe imprimia. Esta será a nossa homenagem a um homem que toda a vida lutou por ideais e ao povo português que, necessariamente, estará disposto a libertar-se desta corja incompetente que nos tem governado.
    Um abraço
    Lua Cunha

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  4. Caro João Martins,

    Obrigado por ter acrescentado o LEMMA ao Macloulé. Eu continuo a surripilhar alguns textos para aqui para o LEMMA indicando a fonte. Como diria a nossa amiga Camila:
    "Noblesse oblige"

    Um grande abraço,

    Sérgio Ribeiro

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