segunda-feira, 14 de junho de 2010

5 anos após a morte de Álvaro Cunhal

N: 10 Novembro 1913 - F: 13 Junho 2005 - (Fotos google)




- ÁLVARO CUNHAL - ARTISTA NA PRISÃO!










Apanhado, há cinco anos, pela tenaz negra da morte, Álvaro Cunhal, figura marcante da resistência contra a ditadura fascista, deixa Portugal mais pobre.


Faz hoje cinco anos que o país foi confrontado com a morte já esperada de Álvaro Cunhal, secretário geral do Partido Comunista entre 1961 e 1992, ano em que Carlos Carvalhas fora eleito no XIV congresso para o substituir neste cargo.
Relembrar e homenagear Álvaro Cunhal é um imperativo para todos quantos dedicaram a sua vida à causa revolucionária e democrática… causa que, hoje, mais do que nunca, devemos ter presente, fazendo parte das nossas preocupações.
No mês em que a “partida” do Secretário Geral do PCP faz cinco anos, e para prestar a devida e sentida homenagem a «uma vida dedicada aos trabalhadores e ao povo, ao ideal e projecto comunistas», o secretariado nacional do Comité Central do PCP tornou público um conjunto de iniciativas que terão lugar entre os dias 9 e 24 de Junho.
Afirmando em declarações ao jornal “Sol” que “Álvaro Cunhal é um exemplo de vida e de luta que deve estar sempre presente” o PCP considera que “na actual situação, com as consequências do agravamento da crise do capitalismo, da sua natureza exploradora, do processo de integração europeia, da política de direita e abdicação nacional e a grave situação a que conduzem o país e o mundo, a contribuição da análise de Álvaro Cunhal, a sua dedicação aos interesses dos trabalhadores, do povo e o projecto da democracia e socialismo que foi o da sua vida, ecoam com redobrada actualidade”.
Ainda de acordo com a fonte já referida, vai decorrer, no dia 14, uma sessão pública sobre o livro «O Partido com Paredes de Vidro», que marcam os 25 anos da primeira edição de um «trabalho que constitui uma das mais significativas e valiosas contribuições de sempre sobre as características do Partido Comunista, a partir da experiência do PCP, sobre o ideal e o projecto comunistas, e que se afirma de grande importância na situação actual para projectar os caminhos do futuro».
Será também evocado o julgamento de Álvaro Cunhal, em 1950, mais de um ano após a sua detenção, numa casa clandestina do Luso, a par de Militão Ribeiro e Sofia Ferreira.
De acordo com o PCP, nesta sessão do julgamento, apoiado na coragem revolucionária que sempre o caracterizou, Álvaro Cunhal «afirmou a sua confiança no futuro» e «produziu uma demolidora acusação ao regime fascista, à sua natureza, ao atraso a que condenou o país e à brutal agressão aos direitos democráticos», sendo este momento um «exemplo de determinação, coragem e confiança inabalável no futuro, cujo significado ultrapassa o tempo histórico, constituindo um elemento inspirador para a acção e intervenção presente».
Será editado em DVD um conjunto inédito de cadernos da prisão de Cunhal e divulgado na sua página oficial, um dossiê sobre o antigo secretário-geral, disponibilizando-se em formato digital a obra «O Partido com Paredes de Vidro».
Ainda este ano, o PCP vai realizar iniciativas a propósito de diversos trabalhos do antigo secretário-geral, e editará o III Volume das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal.
Para o PCP, evocar o «exemplo de luta e de vida» de Cunhal significa «analisar a actual situação, determinar e afirmar o caminho de luta, transformação e progresso social que os trabalhadores e o povo português, e os trabalhadores e os povos do mundo cada vez mais precisam».

Fonte: Lusa/SOL - Lua Cunha






José Carlos Ary dos Santos

«As Portas que Abril Abriu»

Era uma vez um país onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra.


Onde entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas

lezírias e praias claras um povo se debruçava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.
Era uma vez um país onde o pão era contado onde quem tinha a raiz tinha o fruto arrecadado onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro que dormia com o gado onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado onde morria primeiro quem nascia desgraçado.


Era uma vez um país de tal maneira explorado pelos consórcios fabris pelo mando acumulado pelas ideias nazis pelo dinheiro estragado pelo dobrar da cerviz pelo trabalho amarrado que até hoje já se diz que nos tempos do passado se chamava esse país Portugal suicidado.


Ali nas vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras vivia um povo tão pobre que partia para a guerra para encher quem estava podre de comer a sua terra.

Um povo que era levado para Angola nos porões um povo que era tratado como a arma dos patrões um povo que era obrigado a matar por suas mãos sem saber que um bom soldado nunca fere os seus irmãos.


Ora passou-se porém que dentro de um povo escravo alguém que lhe queria bem um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança feita de força e vontade era ainda uma criança mas já era a liberdade.


Era já uma promessa era a força da razão do coração à cabeça da cabeça ao coração.


Quem o fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.


Esses que tinham lutado a defender um irmão esses que tinham passado o horror da solidão esses que tinham jurado sobre uma côdea de pão ver o povo libertado do terror da opressão.


Não tinham armas é certo mas tinham toda a razão quando um homem morre perto tem de haver distanciação uma pistola guardada nas dobras da sua opção uma bala disparada contra a sua própria mão e uma força perseguida que na escolha do mais forte faz com que a força da vida seja maior do que a morte.


Quem o fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo começou a floração do capitão ao soldado do soldado ao capitão.


Foi então que o povo armado percebeu qual a razão porque o povo despojado lhe

punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado em sua própria grandeza era soldado forçado contra a pátria portuguesa.


Era preso e exilado e no seu próprio país muitas vezes estrangulado pelos generais senis.

Capitão que não comanda não pode ficar calado é o povo que lhe manda ser capitão revoltado é o povo que lhe diz que não ceda e não hesite–


Pode nascer um país do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue contra a posição contrária nunca oprime nem persegue– é força revolucionária!


Foi então que Abril abriuas portas da claridade e a nossa gente invadiu a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra na madrugada serena um poeta que cantava o povo é quem mais ordena.


E então por vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras desceram homens sem medo marujos soldados «páras» que não queriam o degredo dum povo que se separa.



E chegaram à cidade onde os monstros se acoitavam era a hora da verdade para as hienas que mandavam a hora da claridade para os sóis que despontavam e a hora da vontade para os homens que lutavam.


Em idas vindas esperas encontros esquinas e praçasnão se pouparam as feras arrancaram-se as mordaças e o povo saiu à rua com sete pedras na mão e uma pedra de lua no lugar do coração.


Dizia soldado amigo meu camarada e irmão este povo está contigo nascemos do mesmo chão trazemos a mesma chama temos a mesma ração dormimos na mesma cama comendo do mesmo pão.



Camarada e meu amigo soldadinho ou capitão este povo está contigo a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros de antes quebrar que torcer esta ausência de suspiros esta fúria de viver este mar de vozes livres sempre a crescer a crescer que das espingardas fez livros para aprendermos a ler que dos canhões fez enxadas para lavrarmos a terra e das balas disparadas apenas o fim da guerra.


Foi esta força viril de antes quebrar que torcer que em vinte e cinco de Abril fez Portugal renascer.

E em Lisboa capitaldos novos mestres de Avizo povo de Portugal deu o poder a quem quis.


Mesmo que tenha passado às vezes por mãos estranhas o poder que ali foi dado saiu das nossas entranhas.

Saiu das vinhas sobre dos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras onde um povo se curvava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.


E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe.


Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu.


Essas portas que em Caxias se escancararam de vez essas janelas vazias que se encheram outra vez e essas celas tão frias tão cheias de sordidez que espreitavam como espias todo o povo português.


Agora que já floriu a esperança na nossa terra as portas que Abril abriu nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo do mês de Junho.


Quando o povo desfilou nas ruas em procissão de novo se processou a própria revolução.

Mas eram olhos as balas abraços punhais e lanças enamoradas as alas dos soldados e crianças.


E o grito que foi ouvido tantas vezes repetido dizia que o povo unido jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo do mês de Junho.


E então operários mineiros pescadores e ganhões marçanos e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões souberam que o seu dinheiro era presa dos patrões.


A seu lado também estavam jornalistas que escreviam actores que se desdobravam cientistas que aprendiam poetas que estrebuchavam cantores que não se vendiam mas enquanto estes lutavam é certo que não sentiam a fome com que apertavam os cintos dos que os ouviam.


Porém cantar é ternura escrever constrói liberdade e não há coisa mais pura do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados na mesma luta de ideais ambos sectores explorados ficaram partes iguais.


Entanto não descansavam entre pragas e perjúrios agulhas que se espetavam silêncios boatos murmúrios risinhos que se calavam palácios contra tugúrios fortunas que levantavam promessas de maus augúrios os que em vida se enterravam por serem falsos e espúrios maiorais da minoria que diziam silenciosa e que em silêncio fazia a coisa mais horrorosa:minar como um sinapismo e com ordenados régios o alvor do socialismo e o fim dos privilégios.


Foi então se bem vos lembro que sucedeu a vindima quando pisámos Setembro a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte que sabia tanto a Abril que nem o medo da morte nos fez voltar ao redil.


Ali ficámos de pé juntos soldados e povo para mostrarmos como é que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa! E a reacção não passou.


Quem já viveu a desgraça odeia a quem desgraçou.


Foi a força do Outono mais forte que a Primavera que trouxe os homens sem dono de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros pescadores e ganhões operários e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões que deu o poder cimeiro a quem não queria patrões.


Desde esse dia em que todosnós repartimos o pão é que acabaram os bodos— cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas palácios e palacetes os generais com prebendas caciques e cacetetes os que montavam cavalos para caçarem veados os que davam dois estalos na cara dos empregados os que tinham bons amigos no consórcio dos sabões e coçavam os umbigos como quem coça os galões os generais subalternos que aceitavam os patrões os generais inimigos os generais garanhões teciam teias de aranha e eram mais camaleões que a lombriga que se amanha com os próprios cagalhões.



Com generais desta apanha já não há revoluções.

Por isso o onze de Março foi um baile de Tartufos uma alternância de terços entre ricaços e bufos.


E tivemos de pagarcom o sangue de um soldadoo preço de já não estarPortugal suicidado.

Fugiram como cobardes e para terras de Espanha os que faziam alardes dos combates em campanha.


E aqui ficaram de pé capitães de pedra e cal os homens que na Guiné aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram que um animal racional opõe àqueles que o firam consciência nacional.


Os tais homens que souberam fazer a revolução porque na guerra entenderam o que era a libertação.

Os que viram claramente e com os cinco sentidos morrer tanta tanta gente que todos ficaram vivos.


Os tais homens feitos de aço temperado com a tristeza que envolveram num abraço toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita e depois tão maltratada por quem herdou a desdita da história colonizada.


Dai ao povo o que é do povo pois o mar não tem patrões.

– Não havia estado novo nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura e uma vela desfraldada para levar a ternura à distância imaginada.


Foi este lado da história que os capitães descobriram que ficará na memória das naus que de Abril partiram das naves que transportaram o nosso abraço profundo aos povos que agora deram novos países ao mundo.


Por saberem como é ficaram de pedra e cal capitães que na Guiné descobriram Portugal.


E em sua pátria fizeram o que deviam fazer:ao seu povo devolveram o que o povo tinha a haver:Bancos seguros petróleos que ficarão a render ao invés dos monopólios para o trabalho crescer.



Guindastes portos navios e outras coisas para erguer antenas centrais e fios dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio é preciso é aquecer pensar que somos um rio que vai dar onde quiser pensar que somos um mar que nunca mais tem fronteiras e havemos de navegar de muitíssimas maneiras.


No Minho com pés de linho no Alentejo com pão no Ribatejo com vinho na Beira com requeijão e trocando agora as voltas ao vira da produção no Alentejo bolotas no Algarve maçapão vindimas no Alto Douro tomates em Azeitão azeite da cor do ouro que é verde ao pé do Fundão e fica amarelo puro nos campos do Baleizão.



Quando a terra for do povo o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária em sua própria expressão:a maneira mais primária de que nós temos um quinhão da semente proletária da nossa revolução.


Quem a fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse um menino que sorriu uma porta que se abrisse um fruto que se expandiu um pão que se repartisse um capitão que seguiuo que a história lhe predisse e entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo que levantava sobre um rio de pobreza a bandeira em que ondulava a sua própria grandeza!


De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse e só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse.


Só nos faltava que os cães viessem ferrar o dente na carne dos capitães que se arriscaram na frente.


Na frente de todos nós povo soberano e total que ao mesmo tempo é a voz e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas agiotas do lazer latifundiários machistas balofos verbos de encher e outras coisas em istas que não cabe dizer aqui que aos capitães progressistas o povo deu o poder!



E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe!


Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!


Lisboa, Julho-Agosto de 1975


«HOMENAGEM DE LUA CUNHA A ÁLVARO CUNHAL»

13 Junho 2010

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