terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As ilegais eleições nas Honduras e a hipocrisia de Washington


O que é que havemos de fazer, ficarmos sentados durante quatro anos e simplesmente condenar o golpe? – declarações de um alto funcionário do Departamento de Estado de Washington ontem [dia 28 de Novembro].

As verdadeiras divisões na América Latina – entre a justiça e a injustiça, a democracia e a ditadura, direitos humanos e direitos das transnacionais, poder popular e dominação imperial – nunca foram tão visíveis como hoje. Os movimentos dos povos em toda a região para transformar sistemas corruptos e desiguais que isolaram e excluíram a maioria das nações latino-americanas estão hoje a tomar o poder de forma democrática e a construir novos modelos baseados na justiça económica e social. A Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador estão na vanguarda desses movimentos, enquanto outras nações como o Uruguai e a Argentina estão a movimentar-se para a mudança, embora num passo um pouco mais lento.

Historicamente, a região esteve pejada de uma brutal ingerência dos Estados Unidos, que procurou a todo o custo dominar e controlar os recursos estratégicos e naturais de território de abundância. Com excepção de desafiadora revolução cubana, Washington conseguiu instalar regimes títeres por toda a América Latina no final do século XX. Quando Hugo Chávez ganhou a presidência em 1998 e a revolução bolivariana começou a florescer, o balanço do poder e o controlo imperial sobre a região debilitam-se. Oito anos de governo de George W. Bush trouxeram novamente os golpes de Estado à região, na Venezuela em 2002 contra o Presidente Chávez e no Haiti em 2004 contra o Presidente Aristide. O primeiro golpe foi derrotado por uma insurreição popular massiva do povo, e o segundo conseguiu sequestrar e derrotar o presidente que já não interessava aos interesses de Washington.

Apesar dos esforços da administração de Bush para neutralizar a expansão da revolução na América Latina por meio de golpes, sabotagens económicas, guerra mediática, operações psicológicas, intervenção eleitoral e um incremento da presença militar, nações como as Honduras, S. salvador e Guatemala elegeram presidentes de tendência de esquerda. A integração latino-americana consolidou-se com a UNASUR e ALBA, e as garras do poder de Washington começaram a desaparecer.

Henry Kissinger disse nos anos setenta: «se não podemos controlar a América Latina, como vamos dominar o mundo»? Esta visão imperialista tem hoje toda a actualidade. A presença de Obama na Casa Branca foi vista de forma errónea por muitos da região como o sinal de um fim da agressão estadunidense no mundo e especialmente aqui, na América Latina. Pelo menos muitos pensavam que Obama diminuiria as crescentes tensões com os seus vizinhos do Sul. E o novo presidente dos Estados Unidos, ele próprio, fez alusões a tais mudanças.

Mas agora, a estratégia do «Smart Power» (poder inteligente) da administração de Obama foi desmascarada. Os abraços, troca de apertos de mão, sorrisos, ofertas e promessas de «não mais intervenção» e «uma nova era» realizadas pelo próprio Presidente Obamaperante os líderes das nações latino-americanas durante a Cimeira das Américas em Trinidad em Abri passado, converteu-se em cínico gestos de hipocresia. Quando Obama chegou ao poder, a reputação de Washington estava em queda. As débeis tentativas de «mudar» a relação Norte-Sul nas Américas desembocou numa situação pior., reafirmando que a visão de Kissinger sobre a importância de controlar esta região é uma política de estado de Washington, que não depende de nenhum partido ou chefe de Estado.

O papel de Washington no golpe das Honduras contra o Presidente Zelaya foi evidente desde o primeiro dia. O financiamento aos golpistas continua, a presença militar do Pentágono em Soto Cano, as constantes reuniões entre funcionários do Departamento de Estado e o embaixador dos EUA nas Honduras, Hugo Llorens, com os golpistas, e as cínicas tentativas de forçar uma «mediação» e «negociação» entre golpistas e o governo legítimo das Honduras são evidências irrefutáveis das intenções de Washington de consolidar esta nova forma de «golpe inteligente». A insistência inicial do governo Obama sobre a legitimidade de Zelaya como presidente das Honduras rapidamente desapareceu, passadas que foram as primeiras semanas após o golpe. Os apelos à «restituição da ordem democrática e constitucional» nas Honduras foram débeis cochichos repetidos pelas vozes monótonas dos porta-vozes do Departamento de Estado.

A imposição do presidente da Costa Rica, Óscar Árias – um peão de Washington – para «mediar» a «negociação» ordenada por Washington entre golpistas e o presidente Zelaya foi um acto circense. Desde o primeiro momento era óbvio que o Departamento de Estado estava a promover uma estratégia de «ganhar tempo» para consolidar o golpe nas Honduras. A falta de sinceridade de Árias e a sua cumplicidade no golpe foi evidente desde a manhã do violento sequestro e exílio forçado de Zelaya. Altos funcionários do Pentágono, do Departamento de Estado e da CIA presentes na base de Soto Cano, controlada por Washington, arranjaram o transporte de Zelaya à Costa Rica. Árias já tinha expresso de forma servil a sua disposição de dar refúgio ao presidente ilegalmente exilado e de não deter os sequestradores que pilotaram o avião que – violando o direito internacional – chegou ao território da Costa Rica.

Hoje, Óscar Árias fez um apelo a todas as nações do mundo para «reconhecerem» as ilegais e ilegítimas eleições que têm hoje [dia 29 de Novemro] lugar nas Honduras. Por que não?, disse Árias, se não há fraude ou irregularidades, por que não reconhecer um novo presidente? O Departamento de Estado e até o próprio presidente Obama disseram o mesmo e estão a apelar – pressionando – aos seus aliados para que reconheçam o novo regime das Honduras, eleito sob uma ditadura. A fraude e as irregularidades já estão presentes, considerando que hoje não existe qualquer democracia nas Honduras que permita as adequadas condições para um processo eleitoral. E o Departamento de Estado admitiu há duas semanas que estão há muito tempo a financiar activamente o processo eleitoral e as campanhas eleitorais nas Honduras. E os «observadores internacionais» enviados para dar credibilidade ao ilegal processo das Honduras são, todos eles, agências e agentes do império. O Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Instituto Democrata Nacional (NDI), duas agências criadas para levar o financiamento da USAID e da NED a partidos políticos no exterior e promover a agenda estadunidense, não apenas financiaram os grupos envolvidos no golpe de Estado das Honduras como estão agora a «observar» as eleições. Grupos terroristas como UnoAmérica, dirigido pelo golpista venezuelano Alejandro Peña Esclusa, também enviou «observadores» às Honduras. E o criminoso terrorista cubano-americano (Miami) Adolfo Franco, antigo director da USAID é outro «peso-pesado» na lista de observadores eleitorais hoje [ontem] nas Honduras.

Mas a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Centro Carter, que não são estruturas de esquerda, condenaram o processo eleitoral das Honduras como ilegítimo e recusaram enviar observadores, O mesmo fizeram as Nações Unidas e a União Europeia, tal como a UNASUR e a ALBA.

Washington está só, apoiado pelos seus regimes títeres da Colômbia, Panamá, Peru, Costa Rica e Israel, únicas nações que publicamente afirmaram o seu reconhecimento do processo eleitoral das Honduras. Um alto funcionário do Departamento de Estado declarou ontem [dia 28 de Novembro] ao Washington Post: «o que é que havemos de fazer, ficarmos sentados durante quatro anos e simplesmente condenar o golpe»? Mas o governo de Washington ficou durante 50 anos sentado recusando reconhecer o governo cubano. Mas isso é porque o governo de Cuba não convém a Washington. E o regime ditatorial das Honduras convém, esse sim, convém-lhe.

O movimento de resistência nas Honduras está a boicotar as eleições, apelando à abstenção massiva do ilegal processo. As ruas das Honduras foram ocupadas por milhares de militares sob o controlo do Pentágono. Com armas cedidas por Israel, o regime golpista está preparado para reprimir e brutalizar de forma maciça os que resistem ao processo eleitoral. Devemos manter a nossa vigilância e solidariedade com o povo das Honduras face ao imenso perigo que o cerca. As eleições de hoje nas Honduras constituem um segundo golpe de Estado contra o povo hondurenho, desta vez abertamente concebido, promovido e apoiado por Washington. Independentemente do resultado das eleições não haverá justiça nas Honduras até que cesse a ingerência imperial.
Fonte: diário.info
Notas: Eva Golinger, autora deste artigo, é advogada e escritora norte-americana de origem venezuelana.
Este texto foi publicado dia 30 de Novembro em www.rebelión.org
Tradução de José Paulo Gascão
A Declaração da cimeira Ibero-Americana, que hoje terminou em Lisboa, diz que Zelaya, o presidente deposto pelos golpistas, deve terminar o mandato como presidente das Honduras. A posição do Brasil foi determinante para esta tomada de posição pela Cimeira.

1 comentário:

  1. A resistência diz um não categórico às eleições-farsa de 29/Novembro
    Comunicado Nº 34

    A Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado comunica à população hondurenha e à comunidade internacional:

    1. Ao haver vencido o prazo estabelecido para quinta-feira 5 de Novembro às 12 da noite sem haver sido restituído o presidente legítimo Manuel Zelaya Rosales, declaramos nosso desconhecimento activo do processo eleitoral de 29 de Novembro deste ano.

    Eleições promovidas por um regime de facto que reprime e atropela os direitos humanos e políticos dos cidadãos e cidadãs seriam só uma forma de validação da ditadura da oligarquia a nível nacional e internacional, e um método para assegurar a continuação de um sistema que marginaliza e explora os sectores populares para garantir os privilégios de uns poucos.

    A participação em tal processo daria legitimidade ao regime golpista ou ao seu sucessor que se instalasse fraudulentamente a 27 de Janeiro de 2010.

    2. O desconhecimento da farsa eleitoral manter-se-á firme ainda que durante o período compreendido entre o dia de hoje e o dia 29 de Novembro fosse restituído no seu cargo o Presidente Manuel Zelaya, uma vez que 20 dias ou menos é um lapso muito curto para desmontar a fraude eleitoral que se forjou para assegurar que um dos representantes da oligarquia golpista seja imposto para dar continuidade ao seu projecto anti-democrático e repressor.

    O que antecede não significa que renunciámos à nossa exigência fundamental de devolver a Honduras a ordem institucional, que inclui o retorno do presidente Zelaya ao cargo para o qual foi eleito pelo povo hondurenho por quatro anos.

    3. Hoje, mais do que nunca, demonstra-se que o exercício da democracia participativa através da instalação da Assembleia Nacional Constituinte não só é um direito inegociável como a única via para dotar a população hondurenha de um sistema político democrático e includente.

    4. Denunciamos a atitude cúmplice do governo dos Estados Unidos, que manobrou para dilatar a crise e agora mostra a sua verdadeira intenção de validar o regime golpista e assegurar que o governo seguinte seja dócil aos interesses das companhias transnacionais e seu projecto de controle regional. Por isso, consideramos correcta a decisão do Presidente Manuel Zelaya de declarar fracassado o Acordo de Tegucigalpa que faz parte da estratégia norte-americana de dilatar a sua restituição para validar o processo eleitoral.

    5. Fazemos um apelo às organizações e candidaturas políticas que se postulam para o 29 de Novembro a que mostrem uma atitude consequente com os compromissos assumidos anteriormente e se retirem publicamente da farsa eleitoral.

    6. Convocamos a população organizada e não organizada a somar-se às acções de repúdio à farsa eleitoral e a promover as acções de desobediência civil que realizaremos amparando-nos no artigo 3 da Constituição da República que nos dá direito à desobediência e à insurreição popular.

    7. Aos governos e povos irmãos do mundo apelamos a que mantenham a pressão política para derrotar a ditadura militar imposta pela oligarquia e o imperialismo, assim como a desconhecer as falsas eleições de 29 de Novembro e as autoridades espúrias que pretendam apresentar-se como representantes eleitos pelo povo.

    RESISTIMOS E VENCEREMOS

    Tegucigalpa, 9 de Novembro de 2009

    Fonte: resistir.info

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