segunda-feira, 9 de novembro de 2009

CAIM, de José Saramago


Dezoito anos após o escândalo provocado pelo "O Evangelho segundo Jesus Cristo", Saramago volta ao terreno da Bíblia com o seu novo livro Caim, uma narrativa que aborda a maldade de "deus", provocando a ira de alguns sectores católicos, que no próprio dia em que o romance chegou às livrarias, logo fizeram ouvir as suas reacções. Saramago não compreende nem tolera o Deus do Antigo Testamento. Esse Deus todo poderoso que abandona as suas criaturas, lhes exige o impossível e vai à sua vida, regressando quando lhe apetece, é cruel, castigador, vingativo, rancoroso e injusto. Para quem acredita, o texto bíblico não se pode levar à letra. É uma linguagem simbólica, a exigir decifração. Saramago, pelo contrário, olha para o Antigo Testamento de forma literal. Na sua leitura, o texto bíblico é o que lá está escrito, não o que sugere. E, para Saramago, o que as palavras dizem, nalguns casos, é intolerável. Tão intolerável que o autor, por interposta personagem, não se coíbe de apontar a "maligna natureza" de Deus. A viagem do livro, iniciada ainda no Génesis(com as tribulações de Adão e Eva nos jardins do Éden) termina com o Dilúvio e a Arca de Noé a chegar ao monte Ararat, mas não tendo lá dentro os progenitores da humanidade futura, à espera de uma segunda oportunidade após a quase aniquilação da espécie. "E isto porque Caim, não o podendo matar, encontra uma estratégia mais subtil para se vingar de Deus, ficando a sós com ele no mundo, num diálogo de surdos, prova provada de que a "história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, pois nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele". Um livro polémico, para ler.
Fonte: artigo de José Mário Silva, publicado na Revista Ler, de Novembro



1 comentário:

  1. Subtrai ao meu amigo João Martins este texto magnífico que aqui vos deixo:

    Em meados do século XIX, Nietzsche declarou "Deus está morto", nada mais vai ser como dantes na História da Humanidade. As legitimidades que organizam as estruturas de dominação da vida em sociedade passam agora a ser de outra ordem. Decartes salta da cartola mágica. O Homem pela razão tudo pode conhecer. É a ciencia e a técnica a chave para o progresso e para a felicidade. Marx, também ainda no século XIX, decretou: A religião é o ópio do povo. A religião é um aparelho ideológico ao serviço das estruturas de dominação social. O homem religioso é um homem alienado. Pobre, provavelmente honrado, mas explorado. A modernidade trouxe consigo a geral secularização da sociedade. Mas a religião não morreu apesar de lhe ter sido decretada por várias vezes a sua morte. Assistimos hoje ao retorno do sagrado. Deus continua vivo e bem vivo para todos os que acreditam Nele.

    Deus Morreu!

    "Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje!"

    Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, 1887.

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