terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eugénio de Andrade nasceu há 87 anos




Poeta português, nasceu há 87 anos, neste dia 19, em Póvoa de Atalaia, Fundão, em 1923. Veio ao mundo no seio de uma família de camponeses. Passou a infância com a mãe, na sua aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e Coimbra. O conhecimento da literatura de Fernando Pessoa deu origem a um fascínio ilimitado pelo autor da "Mensagem", que foi determinante para a afirmação de um estilo individual numa direcção oposta à poética pessoana, naquilo em que esta se mostra distanciada da exaltação do sensualismo da afirmação da corporalidade - vectores decisivos no trajecto poético de Eugénio de Andrade. É no ano de 1939 que, incitado por António Botto, publica uma plaqueta intitulada Narciso, o seu primeiro poema. Três anos depois dá à estampa o primeiro livro, Adolescente, a que se segue, em 1945, Pureza. Instalado em Coimbra desde 1943, torna-se amigo de Afonso Duarte, Carlos de Oliveira, Eduardo Lourença e Miguel Torga. Em 1946, publica uma Antologia Poética de Garcia Lorca. Regressa a Lisboa no final desse mesmo ano e, em 1947, ingressa no funcionalismo público. Em 1948 publica aquele que viria a ser o seu livro de consagração e o mais reeditado, As Mãos e os Frutos. É por essa altura que faz amizade e convive com outros poetas como Mário Cesariny e Sophia de Mello Breyner Andresen. Em 1950 fixou residência no Porto, onde passou a desempenhar as funções de inspector dos Serviços Médico-Sociais, até 1983, quando se reforma. Em 1956 morre a mãe, figura central na sua poesia, em cuja memória publica, dois anos depois, o livro Coração do Dia. Datam desses anos 50 os contactos com alguns poetas espanhois, da geração de 27, e a amizade com Teixeira de Pascoais e Jorge de Sena. Com uma vastíssima bibliografia, é impossível neste espaço a referência a todos os seus livros. Alguns, porém, não podem deixar de ser mencionados, para além dos que já o foram. As Palavras Interditas(1951), Até Amanhã(1956), Mar de Setembro(1961). Outros livros se seguiram, que apresentam assinaláveis marcas diferenciadoras dentro da continuidade estilística. A obra poética de Eugénio de Andrade encontra-se traduzida em diversas línguas, sendo o poeta português mais traduzido, depois de Pessoa. Mas Eugénio de Andrade foi também um notável prosador, tendo publicado Rosto Precário(1979), Os Afluentes do Silêncio(1968) e A Sombra da Memória(1993). Também no domínio da tradução a sua obra é muito rica, incluindo poemas e textos de Lorca, uma tradução das Cartas Portuguesas atribuidas a Mariana Alcoforado, e uma edição de Poemas e Fragmentos de Safo e um livro com o título Trocar de Rosa, que reune traduções de poetas contemporâneos. Eugénio de Andrade organizou também diversas antologias, muitas delas de grande êxito editorial, como foi a Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, publicada em 1999. O poeta morreu no Passeio Alegre, Foz do Douro, em 13 de Junho de 2005, após prolongada doença neurológica. Na casa onde morreu e vivia, desde 1994, está instalada a Fundação com o seu nome, com o apoio da Câmara do Porto. Terminamos esta evocação do grande poeta que foi Eugénio de Andrade, com este seu belo poema: "Passamos pelas coisas sem as ver,/ gastos como animais envelhecidos./ Se alguém chama por nós não respondemos;/ se alguém nos pede amor não estremecemos./ Como frutos de sombra sem sabor,/ vamos caindo ao chão, apodrecidos."

Nota: O retrato que publicamos é de autoria do escultor José Rodrigues e ilustra a edição especial do livro "As Mãos e os Frutos".

2 comentários:

  1. Gosto muito dos versos deste poeta. "Onde me levas, rio que cantei,/ esperança destes olhos que molhei/ de pura solidão e desencanto?/ Onde me levas?, que me custa tanto.
    ...
    Canção, vai para além de quanto escrevo/ e rasga esta sombra que me cerca./ Há outra face na vida transbordante:/ que seja nessa face que me perca."

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  2. Eugénio de Andrade é um dos meus poetas de eleição. Faz parte de alguns dos meus pilares literários que me ajudam a vencer certos momentos mais difíceis. Leio e releio os seus textos muitas vezes, quer por prazer quer por imposição profissional ,e sempre me emociono perante a presença do belo. Associando-me a esta homenagem feita pelo autor do blog a este poeta intemporal, aqui deixo dois dos seus poemas representativos de dois “leitmotiv” recorrentes no seu “corpus” poético: “a mulher mãe” e a “mulher amada”.
    "Adeus"
    Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
    e o que nos ficou não chega
    para afastar o frio de quatro paredes.
    Gastámos tudo menos o silêncio.
    Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
    gastámos as mãos à força de as apertarmos,
    gastámos o relógio e as pedras das esquinas
    em esperas inúteis.
    Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
    Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
    era como se todas as coisas fossem minhas:
    quanto mais te dava mais tinha para te dar.
    Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
    E eu acreditava.
    Acreditava,
    porque ao teu lado
    todas as coisas eram possíveis.

    Mas isso era no tempo dos segredos,
    era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
    era no tempo em que os meus olhos
    eram realmente peixes verdes.
    Hoje são apenas os meus olhos.
    É pouco mas é verdade,
    uns olhos como todos os outros.

    Já gastámos as palavras.
    Quando agora digo: meu amor,
    já não se passa absolutamente nada.
    E no entanto, antes das palavras gastas,
    tenho a certeza
    de que todas as coisas estremeciam
    só de murmurar o teu nome
    no silêncio do meu coração.

    Não temos já nada para dar.
    Dentro de ti
    não há nada que me peça água.
    O passado é inútil como um trapo.
    E já te disse: as palavras estão gastas.

    Adeus.

    "POEMA À MÂE"
    No mais fundo de ti
    Eu sei que te traí, mãe.
    Tudo porque já não sou
    O menino adormecido
    No fundo dos teus olhos.
    Tudo porque ignoras
    Que há leitos onde o frio não se demora
    E noites rumorosas de águas matinais.
    Por isso, às vezes, as palavras que te digo
    São duras, mãe,
    E o nosso amor é infeliz.
    Tudo porque perdi as rosas brancas
    Que apertava junto ao coração
    No retrato da moldura.
    Se soubesses como ainda amo as rosas,
    Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
    Mas tu esqueceste muita coisa;
    Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
    Que todo o meu corpo cresceu,
    E até o meu coração
    Ficou enorme, mãe!
    Olha - queres ouvir-me? -
    Às vezes ainda sou o menino
    Que adormeceu nos teus olhos;
    Ainda aperto contra o coração
    Rosas tão brancas
    Como as que tens na moldura;
    Ainda oiço a tua voz:
    Era uma vez uma princesa
    No meio do laranjal...
    Mas - tu sabes - a noite é enorme,
    E todo o meu corpo cresceu.
    Eu saí da moldura,
    Dei às aves os meus olhos a beber.
    Não me esqueci de nada, mãe.
    Guardo a tua voz dentro de mim.
    E deixo as rosas.
    Boa noite. Eu vou com as aves.

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